“Sempre apostei na curiosidade e nas paixões”
DentalPro: Como se comunica o risco?
Alexandre Quintanilha: Temos, sobre os vários domínios da nossa vida, noções de risco que muitas vezes não são racionais. O nosso entendimento é afectado por três parâmetros principais, que se relacionam com áreas de conhecimento diferentes. Uma refere-se ao que sabemos e não sabemos. Dou o exemplo do uso dos telemóveis. Não deixamos de os usar por não termos a certeza dos efeitos nocivos. Ou seja, subsistem muitas dúvidas e poucas certezas. O segundo ponto tem a ver com a maneira como olhamos para o mundo à nossa volta. Ao considerarmos o mundo frágil, incluindo nós próprios, temos menos capacidade para assumir o risco do que as pessoas que acreditam que estão num mundo robusto. O terceiro ponto destaca a confiança na fonte que nos garante a informação. Portanto, na forma de comunicar o risco é importante fazê-lo tendo estes três parâmetros presentes. Há que clarificar aquilo que sabemos, assim como tudo o que permanece desconhecido, sempre com a consciência que o meio e a informação influenciam quem recebe a nossa mensagem.
DP: O que considera errado no processo de comunicação entre médico/doente?
AQ: A paternalização, ou seja, quando o médico omite informação para “proteger” o doente. Acredito na decisão do paciente e na sua maturidade.
DP: No entanto, ainda somos um país com uma taxa de analfabetismo acentuada…
AQ: Trata-se de um mito e embora existam casos mais complicados é precisamente aqui que devemos concentrar esforços reforçados. O facto de uma pessoa saber pouco de determinadas áreas da medicina não implica imaturidade. Devem respeitar-se a inteligência emocional e a sua autonomia, permitindo à pessoa participar do seu próprio tratamento.
DP: O que falta para haver mais investigação associada à medicina dentária em Portugal?
AQ: Não sei se em Portugal tem diminuído o interesse pela investigação na medicina dentária, mas sei, isso sim, que há muita investigação em curso sobre novos materiais. No Instituto Nacional de Engenharia Biomédica da Universidade do Porto (UP) há pessoas a trabalhar em novas formas de substituir o osso ou reconstruí-lo usando células estaminais e fórmulas muito avançadas de elaboração de novos materiais. Considero também que importa estimular as ligações da medicina dentária com a engenharia, uma vez que em medicina nem tudo é engenharia, ao passo que em medicina dentária os meus poucos conhecimentos dizem-me que há muita coisa relacionada com as estruturas, com a engenharia, com a forma como se distribuem as forças e com a forma como se aplicam os aparelhos.
DP: Em entrevista referiu que precisa de um desafio de 20 em 20 anos. Há 20 anos criou o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), o que se segue agora?
AQ: Adoro a docência e vou continuar a fazê-lo, principalmente aos alunos de primeiro ano. Claro que ainda gostaria de dedicar-me à arquitectura, à bioética e até explorar novos países. Estou satisfeito de ter ainda a capacidade de largar algo que funciona bem e deixá-lo aos mais novos. Fui também eleito para a Assembleia Municipal da câmara do Porto, que se exibe como o meu desafio mais imediato.
DP: Com este cargo, que espera fazer pelo Porto?
AQ: Tem a ver com o meu desejo de amadurecer as pessoas, responsabilizá-las e despertá-las para o uso do conhecimento disponível, de modo mais produtivo e satisfatório. Na minha vida sempre apostei na curiosidade e nas paixões e admito que o Porto precisa de mais bibliotecas, com voluntários da terceira idade, por exemplo, que apoiem um funcionamento mais alargado. O conhecimento de pessoas, como as que trabalham aqui nos laboratórios e outros centros de investigação, devia fazer parte do nosso dia-a-dia e não só os carros e o futebol. Esta interacção faz-nos, a nós cientistas, aprender coisas fabulosas de pessoas que não se relacionam com as áreas em que estamos envolvidos. Acredito mais no prazer do conhecimento do que no prazer da excitação. No fundo, quero fazer cair as barreiras que separam o instituto do café.
Alexandre Tiedke Quintanilha nasce a 9 de Agosto de 1945 em Moçambique. Completa os estudos superiores na África do Sul, licenciando-se em 1968 em Física Teórica pela Universidade de Witwatersrand, e perfaz, igualmente, o doutoramento em Física do Estado Sólido, no ano de 1972. Muda-se para os EUA, onde integra a Universidade da Califórnia em Berkeley. Aí junta-se ao Lawrence Berkeley National Laboratory e é convidado para dirigir um novo centro para o estudo do impacto ambiental da tecnologia, tornando-se director adjunto da divisão de Energia e Ambiente entre 1983 e 1990. Em 1991, é nomeado director do Centro de Citologia Experimental e professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da UP. Hoje, a par da docência, coordena o IBMC, instituto portuense que co-fundou. Ao longo da sua vida publica mais de 90 artigos em diferentes publicações científicas, nas quais colaborou também como editor.
7 Janeiro, 2010
Entrevistas