Para bons entendedores
Crónica da médica dentista Cátia íris Gonçalves publicada na DentalPro 142.
Como na natureza, a renovação é essencial à manutenção da vida, da saúde dos sistemas e parte da adaptação a circunstâncias várias, dado que a única coisa tida como certa é a constante mudança a que tudo está sujeito. Vejam bem: as estações, as marés, os ventos, os biorritmos, as histórias sócio-económicas de cada país, os picos de agudização das doenças crónicas – tudo passa por fases, ciclos, momentos favoráveis, desfavoráveis, mais fáceis ou mais exigentes; mas nunca nada (nem ninguém) permanece inexorável, indefectível, imutável.
A natureza humana é, na sua essência, relacional e gregária. Que ninguém se julgue totalmente independente, pois até os mais emancipados e autónomos necessitam, dos pontos de vista biológico, psicológico, emocional e sócio-económico, dos outros. Desta forma, desde a pré-história que os seres vivos se organizam numa estrutura social que seja, em primeiro lugar, garante de sobrevivência e, estando esta condição assegurada, há um processo de refinamento natural desse equilíbrio básico já conseguido no sentido de conseguir atingir outros – tal e qual a pirâmide de Maslow.
Essa organização (poderemos chamar, ainda hierárquica, ou as tendências histéricas actuais de uma igualdade irracional já não o permitem?) terá, obrigatoriamente, de sofrer ajustes, alterações, mudanças se quiser manter-se apta para enfrentar os desafios que o destino reserva – ou, na sua incapacidade, o sistema criado claudica, para dar lugar a qualquer outro que, em função das exigências vigentes, se mostre eficaz e operacional. Actualmente, parece-me que andamos com problemas de conteúdo um pouco por todo o lado – habituámo-nos, talvez por causa das pressas quotidianas, cada vez mais e mais velozes, a olhar de relance para a forma, a embalagem, as letras gordas – e pouco para o conteúdo, para as entrelinhas e asteriscos.
Não me interpretem mal, receber um belo embrulho com um laço de seda e papel estampado de qualidade cai bem e enche o olho, mas não serve de nada, se, no momento do “unboxing”, a caixa estiver vazia. Numa altura particular do país (e do mundo) onde é cada vez mais difícil de perceber e definir o que está certo e errado, por vezes a tentação é ceder à ilusão de saciar o olhar mais guloso com lindos lugares-comuns – todos queremos justiça, igualdade de oportunidades, reconhecimento, valorização, dignificação -, tudo embrulhos bonitos e desejáveis. Mas cada uma destas belíssimas embalagens pode carregar, no seu interior, conteúdos paradoxais.
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10 Dezembro, 2019
Opinião