Os órfãos
O médico dentista António José de Sousa escreveu a sua opinião a propósito da não recandidatura de Orlando Monteiro da Silva a bastonário da OMD:
“Pelas 15.00 do dia 16 de abril fomos surpreendidos com a não recandidatura do nosso bastonário. Aproveitando o canal oficial da Ordem e numa comunicação institucional fez uma declaração política pessoal anunciando que cessará funções dia 12 de setembro.
Estando ou não de acordo com o colega Orlando, é o nosso bastonário há 19 anos. A discordância das linhas de actuação políticas não devem e não podem ser misturadas com a pessoa. Na “política” o respeito pelas pessoas deve prevalecer; as críticas por vezes mordazes, incisivas à forma como fomos conduzidos ao longo dos anos foram uma constante de há largos anos a esta parte, pois a condução dos nossos destinos deixou que a profissão chegasse a uma situação para a qual o diagnóstico tinha sido feito há muito tempo.
Quem faz a profissão são os seus profissionais, mas sem uma liderança que olhe a profissão no seu todo e que balize as fronteiras do pode ou não pode, a desregulação nas várias áreas acontece. Na nossa profissão isso aconteceu, e aqui o nosso bastonário falhou em quase toda a linha.
No jogo de estar bem com Deus e com o Diabo, sem nunca se ouvir a mão a bater na mesa, permitiu-se o excedente de médicos dentistas, quando nas mesas dos órgãos sociais se sentam altos quadros das várias faculdades, nas negociações com o Estado ficámos reféns do Cheque Dentista e do SNS, porque o importante era estar, apesar da fragilidade da forma como se entrou, depois de lá estarmos nunca se ouviu um ponto de ordem à mesa, e com isso o Cheque Dentista foi uma bóia de salvação para muitas clínicas tal como a entrada no SNS seria para muitos colegas, acontece que o Cheque nunca cumpriu um papel de prevenção universal e transversal e ainda viu descer o seu valor, a entrada no SNS ainda aguarda uma carreira e foi canibalizada por empresas de trabalho temporário.
O aparecimento de múltiplas entidades reguladoras da nossa profissão deve ter sido ao ritmo de uma por mandato, neste momento temos o assunto APA em mãos; de todas estas entidades que nos (des)regulam nenhuma ouviu uma palavra pública em alto e bom som que assim não pode ser.
Muito mais se poderia acrescentar a este diagnóstico, mas o que importa agora é o futuro imediato, futuro este condicionado pelo aparecimento da COVID com todas implicações sociais, económicas e políticas associadas.
Não tendo sido propriamente apanhados de surpresa, rapidamente ficámos de pés e mãos atados. Somos poucos na imensidão de profissões afectadas, e apenas mais uma voz no meio de tantas. Para os políticos e para a população sempre fomos vistos como os meninos ricos da medicina; uma visão bem distorcida da realidade. A falta de sabedoria ou coragem para desmentir este mito está-se e vai-se fazer pagar.
Caro colega Orlando, esta foi a pior altura para anunciar a não recandidatura.
Pessoalmente tinha esse feeling e já o tinha comentado em privado com colegas; não iria ao próximo jogo, o último em que se podia recandidatar; sairia sem arriscar perder as últimas eleições, pois a contestação começou a tornar-se generalizada, nas redes e populismo que tantas vezes apontou.
Se outros voos se avizinham (como tantos vaticinam), este anúncio vem na pior altura.
Foi um político hábil dentro da nossa classe nestes 19 anos; fora dela soube estar sem fazer mossa aos diferentes partners com os quais lidou ao longo destes anos, mas esse saber estar poucos frutos trouxe para aqueles que representa.
Esta foi a pior altura, pois estamos a 5 meses das eleições e com um processo eleitoral adiado; o anúncio que não se vai recandidatar fragiliza a nossa posição perante o poder político; a partir de agora será visto como aquele que está de saída e como bem sabe, quem está de saída perde peso.
Este era o momento em que precisávamos de uma Ordem forte e não de dirigentes que se devem estar a posicionar para a tentativa de sucessão.
Há quem saúde esta saída, pessoalmente não o sinto assim, gostaria de o ter visto ir até ao fim, ou ter anunciado antes e não ter permitido o #ORLANDOvaiemfrente, ou se por outras quaisquer razões decidiu não continuar, que o tivesse anunciado mais tarde, por todos nós que liderou.
Deixou-nos mais órfãos na pior altura”.
18 Abril, 2020
Opinião