O valor do papel na era digital
Acreditou-se, durante anos, que o papel impresso deixaria de ter uso. Dizia-se que os e-books iriam substituir os livros tradicionais e que sites online iriam suplantar os meios de comunicação em formato físico. No entanto, nada disto aconteceu. De facto, e apesar de os e-books terem algumas conveniências, como capacidade de armazenar centenas de obras num único lugar e por de serem mais baratos, estudos mostram o quão importante ainda é o papel impresso e as suas vantagens únicas.
Começando pelo formato em si, está cientificamente provado que a experiência tátil estimula o cérebro, o que torna o processo de leitura mais agradável. Avançando, e tendo em consideração que a maioria dos utilizadores de Internet são adolescentes e jovens adultos, estes tendem a acreditar que a informação mais útil esteja offline, ainda que os mesmos usem a Internet constantemente. Em acrescento, foi também provado que os estudantes, na sua maioria, compram manuais em suporte físico. Um estudo levado a cabo por um monitor de estudantes mostrou que, em 2014, apenas 13% dos alunos utilizavam os livros escolares e universitários digitais, enquanto que os restantes 87% preferiam comprar a versão em papel. Adolescentes entre os 13 e os 17 anos também admitiram preferir ler livros em papel. Nielsen, uma empresa americana que monitoriza hábitos do consumidor, verificou que, ainda que os adolescentes de hoje sejam os mais abertos às novas tecnologias, o oposto acontece no que diz respeito a livros digitais. E-books são adquiridos por 20% dos jovens entre os 13 e os 17 anos, por 23% das pessoas entre os 18 e os 29, e por 25% entre os 30 e os 44.
Uma outra característica e vantagem única do papel é o facto de permitir aos leitores assimilarem melhor o que estão a ler. Como parte de um estudo de 2012, apresentado em Itália por Anne Mangen, da Norway’s Stavanger University, e publicado no The Guardian, foi solicitado aos participantes que lessem uma história de 28 páginas de Elizabeth George. A metade dos participantes foi facultado o suporte físico, à outra metade um kindle. Após a leitura, foram feitas perguntas acerca do enredo. O resultado foi o esperado: o primeiro grupo de leitores mostrou ter mais conhecimento do que o segundo. Além disto, e para curiosidade, os leitores “digitais” mostraram-se menos emocionalmente envolvidos na história do que os outros.
Deixando a individualidade e passando ao tempo familiar, tanto pais como filhos preferem ler em conjunto livros em papel em vez de e-books. De acordo com o estudo Digital Book World, apenas 10% das famílias prefere ler em conjunto através de meios digitais, ao invés de se deixarem captar por imagens interativas e jogos, como seria de esperar. Assim, a maioria dos pais considera o conteúdo multimédia uma distração e não uma ferramenta válida.
Está também provado que ler na cama através de um e-reader ou de um tablet pode causar distúrbios no sono. Há alguns meses, o jornal The Guardian publicou um estudo pela Universidade de Harvard que correlaciona a dificuldade em adormecer à leitura por meios digitais. Este estudo mostrou que demora uma média de 10 minutos a mais para adormecer depois de ler um e-book, em comparação com um livro tradicional. Para mais, ler num ecrã não só prejudica o sono, como também prejudica a atenção. A professora de Linguística Naomi S. Baron, no seu livro Words Onscreen: The Fate of Reading in a Digital World dá relevância, entre outros assuntos, à grande dificuldade que é mantermo-nos focados quando lemos através de um meio digital. “Pesquisas que fiz com estudantes universitários de diferentes países confirmam que a maioria acredita ser mais fácil concentrarem-se quando leem em papel. Além disso, os mesmos notaram que a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo aumenta quando usam o suporte digital, facilitando a distração”.
Outra realidade interessante é o facto da parte do cérebro que usamos para ler online ser diferente da parte que usamos para ler o texto impresso. Isto foi constatado também por Naomi S. Baron, na sua pesquisa específica. Estudando disciplinas universitárias, constatou-se que, em 92% dos casos, quando se lê em papel, é utilizada a parte de “leitura profunda” do cérebro, o que nos deixa mais imersos e recetivos ao material analisado.
O que também podemos concluir com estes estudos é que o papel não só é importante a nível cognitivo e sensorial, como também é importante de um ponto de vista mais ecológico. Temos, muitas vezes, a impressão de que a comunicação eletrónica é mais amiga do ambiente do que a tradicional comunicação por papel. Mas a verdade é que é difícil fazer tal afirmação sem considerar a durabilidade desses diferentes meios. Na realidade, o papel é um produto exclusivamente renovável e sustentável. A principal matéria-prima, madeira, cresce e é recolhida de forma cuidadosamente controlada e sustentável – tão sustentável que as florestas europeias, de onde vem a maioria da matéria-prima, se expandiram para uma área do tamanho da Suíça em apenas 10 anos. O impacto ambiental do nosso crescente mundo digital não pode ser ignorado. A indústria das novas tecnologias de informação e comunicação é responsável por cerca de 2,5 – 3% das emissões de gás de efeito estufa a nível mundial, estando previsto a aumentar para 14% até 2040.
Assim sendo, e após todos os estudos realizados, podemos afirmar que, independentemente das vantagens que os meios de comunicação digital possam ter, jamais deverão substituir o papel. Ler através de um suporte digital nunca será comparável à experiência de ler um livro em papel, seja pelo cheiro, pelo toque ou pelo sentimento de nostalgia que nos remete para algo que sempre conhecemos e com que estamos familiarizados.
16 Fevereiro, 2020
Atualidade