Quem tem medo do dentista?
O ambiente de consultório, os cheiros, o som dos instrumentos, a cadeira e a simples indumentária do dentista despoletam em muitos pacientes um receio quase que irracional. Designado de odontofobia, este medo caracteriza-se por um transtorno de ansiedade do género sangue-injecção-ferimentos.
“Há adultos que chegam ao consultório com experiências menos agradáveis, mas temos que demonstrar que se doeu uma vez, desta feita isso não acontecerá”, explica Eunice Carrilho, médica dentista e docente universitária. “Palavras como dor não devem empregar-se no diálogo com estes pacientes”, aconselha.
Hollywood e o “terror da cadeira de dentista”
Este instinto primário, como é o pavor, foi apropriado por Hollywood, fazendo da imagem do dentista um labirinto propício ao cinema de terror. Iconográfico e excessivo, o filme O Dentista, de 1996, inspira-se na história real do dentista e ‘serial killer’ norte-americano Glennon Engleman. Realizado por Brian Yuzna, o filme conta ainda com uma sequela, O Dentista 2.
O enredo reproduz uma variante do cientista louco em forma de dentista. O Dr. Alain Feinstone, ao descobrir as infidelidades da sua mulher, parte rumo a uma espiral de violência, fazendo das bocas dos seus pacientes e das cadeiras dentárias locais de flagelação.
“Pequena Loja dos Horrores”, com Steve Martin
“O Dentista, em especial o primeiro, assume-se, de facto, como o grande filme que usa a figura do dentista, apresentando a sua profissão como um exercício de terror”, afirma António Reis, programador do Festival Internacional de Cinema do Porto (Fantasporto).
Exemplo do cinema ‘gore’, onde o sangue desmedido e exploração do explícito imperam, O Dentista 1 e 2 “constituem um bom exemplo deste género, já que constroem uma personagem com densidade psicológica e efeitos visuais vistosos”, comenta António Reis. Prova disso mesmo foi a nomeação, em 1997, para Melhor Filme do Fanstasporto.
Défice de dentistas
Contudo, a figura do dentista no cinema de terror não é uma presença habitual. Até hoje, apenas pequenas cenas ficaram para a história do género.
Maratona da Morte, de 1976, revê-se como o exemplo mais emblemático. A questão “É seguro?” ganha aqui contornos sádicos, quando o médico dentista das SS e responsável pelo campo de concentração de Auschwitz tortura, a sangue frio, um estudante universitário interpretado por Dustin Hoffman.
Pequena Loja dos Horrores contempla também a figura do dentista sádico, mas o seu registo musical faz da história uma paródia ao insólito.
O défice de dentistas neste tipo de filmes explica-se pela dificuldade de transpor para a tela o seu ambiente natural.
“Tecnicamente torna-se muito complicado porque o terror centra-se na cavidade oral, muito pequena para as câmaras de filmar”, avança António Reis. Por outro lado, em termos de público, “é difícil manter a atenção centrada num único objecto de terror”, acrescenta.
6 Agosto, 2010
Atualidade