Cavalos mais rápidos

Sinceramente, quando volto atrás no tempo e me tento recordar daquilo que pensava que seria viver na actualidade, não posso evitar sentir-me defraudada. Sim, há uma parte de mim que se orgulha, principalmente, de certas espécies não estarem extintas, da desflorestação não nos ter asfixiado e da agricultura e pecuária massificadas não nos terem matado com as suas quantidades industriais de químicos mortais. A economia ainda não colapsou, mas já estivemos mais longe; parece-me que esta, tal como a conhecemos actualmente, tem de deixar de o ser, para que possamos recomeçar um novo ciclo.
Ainda não temos os tão almejados carros voadores, mas já temos alguns protótipos e parece-me que a sua comercialização e utilização ubíquas estão pendentes apenas por questões burocráticas, legais e de segurança pública (tal como está pendente a assumpção pública sobre a senciência da IA, ou AGI, pelos mesmos motivos). A bem da verdade, a minha desilusão não se relaciona com a impossibilidade de viajar para o trabalho num veículo autopropulsionado; mas antes com a forma como, no trabalho, ainda lidamos com resíduos quase medievais de tabelas de tratamentos e valores, desinformação pública sobre a saúde e o mais profundo desrespeito pela qualidade humana de conseguir comunicar, de se fazer entender, para que ambas as partes saiam beneficiadas.
A democratização social que as novas tecnologias trouxeram veio parasitada com uma inércia indolente, uma preguiça a reboque que se instalou e não pára de crescer. Tenho para mim que, muito coadjuvada pelos estados de emergência pandémicos, nos reduziram a liberdade e criatividade para mínimos históricos, o ser humano se encontra a caminho da sua própria extinção, através da sucumbência da palavra, enquanto ferramenta descritiva única, na sua amplitude pródiga que permite a expressão meia mágica, meia matemática, daquilo que pensa e sente o ser humano. Os media, com as suas trends, memes e o jargão social, económico e político, reduziram a esfera intelectual humana a um resíduo; basta lermos uma obra de há um ou dois séculos para percebermos a brutalidade sofrida na diferença descritiva.
Num mundo com excesso de regulação, de luta por liberdades que esperava já estarem em fase de consumação tácita, lutamos, exasperados, pela sobrevivência humana enquanto raça única que se consegue expressar aos seus pares de forma – antes – rica e variada, ao mesmo tempo que definhamos em dúvidas existenciais, depressões e burnouts, cuja origem parece não ser clara. O pensamento é, em grande parte, estruturado por representações que percutem nos nossos sentidos, assumindo a palavra um papel único no seu processamento. E, cada vez mais, a comunicação é uma capacidade de dificuldade crescente para as gerações mais novas – se isto não vos desilude, não deviam nunca vir a ser autorizados a viajar num carro com propulsão.
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19 Setembro, 2024
Opinião