Dor na zona da palavra
Crónica da médica dentista Cátia íris Gonçalves publicada na DentalPro 140.
Existem várias correntes filosóficas que dizem que a mudança começa na palavra – e não no pensamento, já que este é, em si mesmo, estanque, por ser individual, conceptual e silencioso. A mudança faz parte da adaptação e esta adaptação é condição essencial à sobrevivência. Falo genericamente, mas atentando especificamente na nossa população portuguesa: ultimamente parece-me que a sociedade está a ficar amorfa – tipo “tipo”, estão a ver.
As palavras são usadas de forma abusiva, negligente e vazia de conteúdo. Ora utilizadas em manifestação de uma revolta exagerada, odiosa, desproporcional, ora o contrário – permissivas, laxistas, de uma sedação conformada com o inaceitável. Também tenho reparado noutro fenómeno – ao contrário da eloquência, do sentido moral, ético e da intelectualidade, o limiar de dor desce absurdamente com o passar dos anos.
Em conversa com colegas, chegamos à conclusão de que a tolerância à dor é cada vez menor e geral. E muitas vezes inversamente proporcional à estupidez – e uma das maiores estupidezes é a passividade. Já no universo do consultório, durante o desempenho das nossas funções, é comum a resposta à maior parte das perguntas de conversa circunstancial ser um encolher de ombros, olhares vazios, expressão corporal encortiçada.
Não sei se é uma coisa minha, mas sinto que perdemos qualidades essenciais do ser humano. Também não sei se é só moral, intelectual, emocional, biológico, do país, da alimentação, das águas, do ar, da europa ou do mundo, mas a raça humana passa por uma crise – donzelas doridas por fora e graníticas na emoção, no respeito pelo outro e no espírito.
Primatas que meditam, malham e fazem detox, mas nulidades em inteligência emocional, Vida e pragmatismo. Autómatos que comunicam em linguagem binária e que de tudo padecem, mas em nada contribuem para o bem estar do outro. Sem ponta de entusiasmo, nem espontaneidade, nem sentido de humor.
Leia a crónica completa na DentalPro 140.
3 Outubro, 2019
Opinião