Menina Doutora
Partilhamos o poema da médica dentista Cátia íris Gonçalves publicado na DentalPro 146:
A menina doutora atende a urgência:
Da velhinha ao miúdo cheio de impertinência;
Os experientes brincam, “que sabe ela da vida?”
E é para ela que marcam o paciente com sida.
A menina doutora vive em casa dos pais,
O seu porto de abrigo, onde abafa os seus ais.
Mal sabendo os seus pares já estabelecidos
De todo o seu rol de duelos vencidos.
Chora à noite, sozinha, antes de dormir
Imaginando os sonhos que ainda estão por vir.
Quer respeito, estatuto e o reconhecimento
Mas, diabos, porque há-de ser o percurso tão lento?
A família ansiosa pelo sucesso merecido
E os colegas sorriem com um orgulho franzido.
“Já acabou o curso?”, ouve todos os dias,
E responde com risos até às consultas tardias.
Troca a sua vaidade e vida social
Por horas de trabalho e pouco material.
Gostava de poder ter um ordenado
Mas, ouve “no início, ninguém é remunerado!”
Querem tê-la na clínica como cartão de visita
Porque a menina doutora “é mesmo bonita”.
O colega de curso já tem descapotável
E a menina anda a pé, sem retorno palpável.
A menina doutora, vi-a ali num cantinho
com os olhos molhados, caída do ninho.
Mal sabe esta menina, Senhora, Doutora
Que num destes dias se fará vencedora.
De repente, Doutora, está bem conservada,
É senhora, tem carro e casa montada
Com metade daquilo que ganhou o colega
Fez-se à vida e orgulha a quem a emprega.
Daquela menina já só resta a memória
E a vivência de toda uma espantosa história.
A Senhora Doutora é muito capaz
E dizem que faz tudo o que um homem faz.
O colega deixou família e profissão
Diz que se fartou e se virou para a gestão.
Ela sabe que a vida não é algarismo
E trata quem precisa, com o seu altruísmo.
A menina doutora não morrerá rica,
Só com um percurso que a dignifica.
E já Senhora dos seus passos seguros
Inspirará os demais, ainda imaturos.
8 Julho, 2020
Opinião